quinta-feira, novembro 10

Colocar fogo na impunidade

A situação francesa é um acontecimento político, antes, de midiático.

Ela mostra, primeiramente, que no cenário global, não há mais fora. O primeiro mundo está no terceiro, e o terceiro no primeiro. A França vive uma situação de ter um subúrbio aos moldes de países periféricos: um amontoado de excluídos. E os jovens são aqueles mais excluídos, pois muitos não conseguem acesso ao mercado de trabalho, ou por conta do racismo, ou por conta da diminuição dos gastos sociais que poderiam diminuir suas situações de exclusão.

Um segundo aspecto desse acontencimento: os jovens suburbanos são franceses. Com origem imigrante, mas são franceses. São netos ou filhos de uma geração de imigrante. O que estamos lendo na mídia tradicional é que são os bárbaros que estão contaminando a civilização. Contudo, os bárbaros estão excluídos do relato jornalístico. Primeiro, porque a imprensa francesa os criminaliza, por um outro lado, porque os jovens não se deixam representar mais pela imprensa. Não falam com a imprensa. Falam por conta própria nas centenas de blogs que criaram.

Um relato que não veio dos blogs, mas da mídia séria francesa, é dos jogadores da seleção de futebol. A maioria deles pertence a mesma realidade dos jovens que resistem à política imperial francesa. Eles declararam que a política racista é a forma tradicional de os governos lidarem com essa população:

"Lilian Thuram, campeão da Copa-1998 e da Eurocopa-2000, ""tomou as dores" dos suburbanos após declarações do ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy.""Eu também cresci em subúrbio e senti de perto o que esses jovens sentem. Quando alguém diz que é preciso limpar [as cidades] com Karcher [marca de jato de água]... Talvez Sarkozy não saiba o que está dizendo. Eu tomo isso como algo pessoal".Thuram, 33, é visto como a primeira personalidade a retrucar à altura Sarkozy. ""Também me disseram "você é escória". Mas eu não sou gentalha. O que eu queria era trabalhar. Talvez, ele [Sarkozy] não tenha captado essa sutileza."


Florent Malouda, meio-campista do Lyon, diz que a situação de revolta popular era inevitável. "Pessoas nos subúrbios estão desesperadas. Caminhava para isso", falou ele, que veio da Guiana.Eric Abidal, seu companheiro de time que cresceu em La Duchere, subúrbio de Lyon, concorda.""Chegamos ao limite. A situação é tudo menos nova, e a solução ainda está para ser achada. Quando estava lá [La Duchere], havia um supermercado, mas eles se recusavam a contratar pessoas da vizinhança. Entendo que as pessoas se cansem de tais coisas." (UOl, Especial Violência na França)

Um relato, de dentro do conflito, feito pela blogueira Armoni, mostra que o alvo dos jovens não é só carros, mas a estrutura social montada. É uma recusa também às medidas paliativas de contenção social da miséria. Ele relata — em alguns posts interessantes (com uma visão meio classe média) — que os jovens queimaram uma casa onde ela trabalhou. Era uma espécie de centro cultural onde era realizado trabalhos comunitários no âmbito da cultura (rap, danças, ateliês e etc). Além disso, estão queimando os prédios do 'Secour Populaire", instituição que distribui sopões, alimentos etcetera. Uma recusa a filantropia. Ela relata ainda que vivencia "meninos de ruas" que acabam largados à noite nas ruas, pois seus pais têm de trabalhar toda a noite, porque não encontram outros tipos de emprego, sem contar as suas habitações, completamente degradadas.